SINJ-DF

Parecer Referencial SEI-GDF n.º 001/2020 - PGDF/PGCONS

PROCESSO N.º 00020-00009864/2020-74

EMENTA: PARECER REFERENCIAL. ADMINISTRATIVO. AQUISIÇÃO DE BENS, SERVIÇOS E INSUMOS DE SAÚDE. ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA DA DOENÇA DO CORONAVÍRUS (COVID-19). CONTRATAÇÃO DIRETA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. LEI FEDERAL Nº 13.979/2020. DECRETOS DISTRITAIS Nos 40.475/2020 E 40.512/2020.

1. Parecer jurídico referencial que é exarado com fundamento no art. 36, §2º da Instrução Normativa nº 05/2017, elaborada pela Secretaria de Gestão do então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, recepcionada em âmbito local pelo Decreto distrital nº 38.934/2018, bem como no art. 7º da Portaria PGDF nº 115/2020.

2. Indicação dos requisitos necessários para a incidência do art. 4º da Lei federal nº 13.979/2020, bem como dos elementos que devem constar da instrução dos autos de cada processo de contratação direta, mediante dispensa de licitação, para a aquisição de bens, serviços e insumos de saúde, destinados ao enfrentamento da pandemia da doença do coronavírus (COVID-19).

3. Com a emissão de parecer referencial, fica dispensado o envio do processo para exame e aprovação pela Procuradoria- Geral do Distrito Federal, ressalvada a hipótese de consulta acerca de dúvida de ordem jurídica devidamente identificada e motivada.

4. Para a utilização do parecer referencial nos casos concretos, deve a Administração Pública instruir o processo com (a) cópia integral do parecer referencial com as cotas de aprovação do Procurador-Chefe e do Procurador-Geral do Distrito Federal ou do procurador-geral adjunto; e (b) declaração da autoridade competente para a prática do ato de que a situação concreta se enquadra nos parâmetros e pressupostos do parecer referencial e que serão observadas suas orientações, conforme modelo anexo à Portaria PGDF nº 115/2020.

Exmo. Sr. Procurador-Chefe do Consultivo em Matéria Financeira, Tributária e de Licitações e Contratos,

1.RELATÓRIO

Trata-se de solicitação para a elaboração de parecer referencial que aborde as orientações e diretrizes para dispensa de licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde, destinados ao enfrentamento da pandemia da doença do coronavírus (COVID-19), conforme previsão da Lei Federal nº 13.979/2020 e do Decreto 40.512/2020, em especial o disposto em seu art. 6º (ID SEI 37262990).

Foram juntados aos autos a Lei federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 (ID SEI 37273237), o Decreto nº 40.512, de 13 de março de 2020 e a Portaria PGDF nº 115, de 16 de março de 2020 (ID SEI 37273613).

O feito foi-me distribuído às 12:04 do dia 18.03.2020, em regime de urgência, tendo em vista a notória situação de emergência da saúde pública vivenciada no Distrito Federal.

É o relatório.

2.FUNDAMENTAÇÃO

2.1 A emissão de parecer referencial

A hipótese de dispensa de envio de processo a esta Procuradoria em caso de existência de parecer jurídico referencial encontra-se prevista no art. 36 da Instrução Normativa nº 5, de 26 de maio de 2017, elaborada pela Secretaria de Gestão do então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, que “dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional”

“Art. 36. Antes do envio do processo para exame e aprovação da assessoria jurídica, nos termos do parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666, de 1993, deve-se realizar uma avaliação da conformidade legal do procedimento administrativo da contratação, preferencialmente com base nas disposições previstas no Anexo I da Orientação Normativa/Seges nº 2, de 6 de junho de 2016, no que couber.

§ 1º A lista de verificação de que trata o caput deverá ser juntada aos autos do processo, com as devidas adaptações relativas ao momento do seu preenchimento.

§ 2º É dispensado o envio do processo, se houver parecer jurídico referencial exarado pelo órgão de assessoramento competente, que deverá ser anexado ao processo, ressalvada a hipótese de consulta acerca de dúvida de ordem jurídica devidamente identificada e motivada.

Ressalte-se que a Instrução Normativa nº 5/2017 é aplicável, no que couber, às contratações de serviços, continuados ou não, no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta do Distrito Federal, por força do Decreto distrital nº 38.934/2018.

Visando regulamentar a matéria, a Portaria nº 115, de 16 de março de 2020, que “dispõe sobre os procedimentos inerentes à atuação dos Procuradores no âmbito da atividade consultiva da Procuradoria-Geral do Distrito Federal e dá outras providências”, assim definiu o parecer referencial:

“Art. 3º Para efeitos desta Portaria, considera-se:

(...)

IV – parecer referencial: manifestação proferida por Procurador e sujeita à aprovação do Procurador-Chefe e do Procurador-Geral Adjunto ou do Procurador-Geral do Distrito Federal, que deve observar os pressupostos de fato e de direito previstos no Capítulo IV desta Portaria;”

O Capítulo IV da mencionada Portaria, disciplinou as hipóteses em que é cabível a elaboração de parecer referencial, bem como as consequências de sua emissão para as Secretarias de Estado e demais órgãos da estrutura administrativa do Distrito Federal:

“Art. 7º Fica admitida a elaboração de parecer referencial quando houver processos e expedientes administrativos recorrentes ou com caráter repetitivo em que sejam veiculadas consultas sobre questões com os mesmos pressupostos de fato e de direito para os quais seja possível estabelecer orientação jurídica uniforme que permita a verificação do atendimento das exigências legais mediante a simples conferência de atos administrativos, dados ou documentos constantes dos autos.

Parágrafo único. Também será admitida a elaboração, de oficio, de parecer referencial de forma preventiva ou antecipada quando, em virtude de alteração ou inovação normativa, o caráter repetitivo ou multiplicador da matéria puder impactar a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos, embora ainda não esteja presente a repetição de processos e expedientes administrativos.

Art. 8º A elaboração de parecer referencial deverá observar a seguinte forma:

I - Ementa: deverá constar a expressão “PARECER REFERENCIAL” com a identificação clara e precisa do objeto da análise e indicada a possibilidade de aplicar a orientação a casos semelhantes;

II - Fundamentação: na qual serão indicadas as circunstâncias que ensejaram a sua adoção, analisadas as questões de fato e de direito e apresentada a orientação jurídica uniforme com os respectivos pressupostos de fato e de direito, os atos, as condutas e os requisitos legais e regulamentares exigidos;

III - Conclusão: na qual serão indicados os requisitos e as condições necessárias para sua utilização.

Parágrafo único. O parecer referencial deverá abordar todas as questões jurídicas pertinentes ao objeto tratado nos respectivos autos.

Art. 9º Fica dispensado o envio do processo para exame e aprovação da assessoria jurídica, se houver parecer referencial, ressalvada a hipótese de consulta acerca de dúvida de ordem jurídica devidamente identificada e motivada.

Parágrafo único. Para utilizar o parecer referencial a Administração Pública deverá instruir o processo com:

I - cópia integral do parecer referencial com as cotas de aprovação do Procurador-Chefe e do Procurador-Geral do Distrito Federal ou do procurador-geral adjunto;

II - declaração da autoridade competente para a prática do ato de que a situação concreta se enquadra nos parâmetros e pressupostos do parecer referencial e que serão observadas suas orientações, conforme modelo anexo a esta Portaria.

Art. 10. Os pareceres referenciais receberão número próprio em ordem sequencial, sem renovação anual, e serão disponibilizados no sítio eletrônico da Procuradoria-Geral do Distrito Federal.

Art. 11. Compete ao Procurador-chefe dirimir eventuais dúvidas da Administração Pública a respeito de pareceres referenciais, sem prejuízo da revisão da conclusão pelo Procurador-Geral Adjunto ou do Procurador- Geral do Distrito Federal.

Art. 12. O Procurador-Geral do Distrito Federal, o Procurador-Geral Adjunto e o Procurador-Chefe da Procuradoria-Geral do Consultivo poderão:

I - suspender a utilização de parecer referencial mediante despacho a ser comunicado aos demais órgãos e entidades da administração do Distrito Federal;

II – elaborar ou designar Procurador do Distrito Federal para elaborar novo parecer referencial na hipótese de alteração ou inovação normativa ou jurisprudencial superveniente.

Parágrafo único. O parecer referencial cancelado ou alterado mantém a numeração original, seguida da expressão “CANCELADO” ou “ALTERADO”, conforme o caso, e da data da alteração ou do cancelamento.”

Trata-se, portanto, de caso que se enquadra perfeitamente no art. 7º, parágrafo único da Portaria nº 115/2020, eis que, de oficio, e em razão das alterações normativas introduzidas por força da recente pandemia, solicita-nos o Sr. Procurador-Chefe do Consultivo em Matéria Financeira, Tributária e de Licitações e Contratos a emissão de “parecer referencial de forma preventiva ou antecipada quando, em virtude de alteração ou inovação normativa, o caráter repetitivo ou multiplicador da matéria puder impactar a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos, embora ainda não esteja presente a repetição de processos e expedientes administrativos”.

A incidência da norma autorizadora para a emissão de parecer referencial revela-se evidente, na medida em que a atual situação de emergência de saúde pública decorrente da COVID- 19, oficialmente declarada por meio do Decreto n. 40.475, de 28.02.2020, demanda a adoção de rito extraordinariamente célere no procedimento de aquisição de bens, serviços e insumos de saúde, destinados ao enfrentamento da pandemia em questão.

2.2 Dispensa de licitação fundamentada no art. 4º da Lei nº 13.979/2020

O Decreto distrital n. 40.475, de 28.02.2020, declarou “situação de emergência, no âmbito da saúde pública no Distrito Federal, pelo período de cento e oitenta dias, em razão do risco de pandemia do novo coronavírus”

Segundo informações da Organização Mundial da Saúde, agência especializada em saúde, fundada em 7 de abril de 1948 e subordinada à Organização das Nações Unidas:

“Os coronavírus (CoV) são uma grande família de vírus que causam doenças que vão desde o resfriado comum até doenças mais graves, como a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) e a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV).

A doença do coronavírus (COVID-19)é uma nova cepa que foi descoberta em 2019 e não foi identificada anteriormente em humanos.

Os coronavírus são zoonóticos, o que significa que são transmitidos entre animais e pessoas. Investigações detalhadas descobriram que o SARS-CoV foi transmitido de gatos civetas para humanos e MERS-CoV de camelos dromedários para humanos. Vários coronavírus conhecidos estão circulando em animais que ainda não infectaram humanos.

Os sinais comuns de infecção incluem sintomas respiratórios, febre, tosse, falta de ar e dificuldades respiratórias. Em casos mais graves, a infecção pode causar pneumonia, síndrome respiratória aguda grave, insuficiência renal e até mesmo morte.

As recomendações padrão para evitar a propagação da infecção incluem lavagem regular das mãos, cobertura da boca e do nariz ao tossir e espirrar, cozinhar completamente carne sinuosa e ovos. Evite contato próximo com qualquer pessoa que apareça com sintomas de doença respiratória, como tosse e espirro.”[1]

Segundo o Relatório de Situação da OMS para o COVID-19 nº 58, de 18.03.2020 (WHO, Coronavirus disease 2019 (COVID-19) Situation Report – 58), foram identificados, globalmente, 191.127 casos, sendo 15.123 nas últimas 24 horas, e 7.807 mortes, sendo 786 nas últimas 24 horas, com avaliação de risco global muito alto.

Essa é a situação atual reportada pela OMS no referido relatório:

SITUAÇÃO EM NÚMEROS

Total (novos) casos nas últimas 24 horas

Globalmente

191.127 confirmados (15 123) 7.807 mortes (786)

Região do Pacífico Ocidental

91.845 confirmados (312)

3.357 mortes (23)

Região Europeia

74.760 confirmadas (10.911)

3.352 mortes (604)

Região Sudeste da Ásia

538 confirmados (63)

9 mortes (1)

Região Do Mediterrâneo Oriental

18.060 confirmada (1552) 1010 mortes (140)

Regiões das Américas

4979 confirmadas (2243)

68 mortes (18)

Região Africana

233 confirmadas (42)

4 mortes (0)

AVALIAÇÃO DE RISCO DA OMS

Nível Global Muito Alto

Noticias veiculadas na imprensa até o momento em que se elabora o presente parecer registram a ocorrência de sete mortes confirmadas no país devido ao coronavírus, sendo cinco no Estado de São Paulo e duas no Estado do Rio de Janeiro[2].

Segundo informe publicado na Agência Brasília às 12 horas de hoje, 19.03.2020[3], o Distrito Federal constava com 235 casos notificados em investigação, 42 confirmados e 134 descartados. O informe confirma a existência de 5 casos com transmissão local, a qual se dá “quando a contaminação se dá por pessoa que entrou em contato com algum viajante positivo”. Até o momento da elaboração deste parecer, não foram reportadas mortes pela COVID-19 no Distrito Federal.

Em resposta à grave situação epidemiológica, foi editada, em 06.02.2020, a Lei federal nº 13.979 que “dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”.

No que diz respeito ao objeto do presente parecer, o art. 4º da Lei n. 13.979/2020 estabeleceu hipótese excepcional e temporária de dispensa de licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

Trata-se, com efeito, de criação de nova hipótese de dispensa de licitação, que se soma às demais previsões estabelecidas no art. 24 da Lei 8.666/93.

O dispositivo em questão aplica-se a todas as esferas federativas, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, eis que oriundo de lei federal, no regular exercício da competência legislativa privativa da União prevista no art. 22, XXVII c/c art. 24, § 2º da Constituição Federal de 1988:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;

(...)

Art. 24 (...)

§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.”

A possibilidade de fixação de hipóteses de dispensa de licitação por legislação esparsa, apartada, portanto, da Lei 8.666/93, é reconhecida pela doutrina nacional. Com efeito, já aludia a esse fato JACOBY em sua célebre obra:

“Há possibilidade de adventicias legislações esparsas inovarem o tema, reconhecendo outros casos de dispensa de licitação, como ocorreu com a Lei nº 8.880/94, que instituiu o Plano Real, autorizando a contratação de institutos de pesquisas sem licitação”[4].

No mesmo sentido aponta PARZIALE:

“O Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, criado pela Lei federal nº 11.947/09, tem por objetivo contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de hábitos alimentares saudáveis dos alunos, por meio de ações de educação alimentar e nutricional, e da oferta de refeições que cubram as suas necessidades nutricionais durante o período letivo, articulando a produção de agricultores familiares e as demandas das escolas para atendimento da alimentação escolar.

Com a finalidade de perseguir tais objetivos, o art. 14 da mencionada lei determina que no mínimo 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, no âmbito do PNAE, deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimenticios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e quilombolas, podendo-se dispensar a instauração de licitação, conforme preconiza o § 1º.

Assim, cria-se uma hipótese distinta de dispensa de licitação, podendo apenas ser utilizada no âmbito da aquisição de alimentação escolar, cuja aplicabilidade é dissociada das hipóteses arroladas no art. 24 do estatuto federal licitatório.”[5]

Fixada a validade da hipótese legal de dispensa de licitação introduzida em nosso ordenamento pela Lei n. 13.979/2020, há que se observar que o art. 37, XXI da Constituição Federal estabelece:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

XXI -ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

Como se vê, a exigência de prévia licitação é requisito essencial, de índole constitucional, para a realização de contratos com a Administração. Com efeito, tal exigência se faz necessária para a efetiva realização dos princípios basilares que regem a Administração pública, elencados no art. 37, caput, da CF/88. A esse respeito, colho esclarecedor excerto da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“O artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, de conteúdo conceptual extensível primacialmente aos procedimentos licitatórios, insculpiu o princípio da isonomia assecuratória da igualdade de tratamento entre todos os concorrentes, em sintonia com o seu caput — obediência aos critérios da legalidade, impessoalidade e moralidade — e ao de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.” (MS 22.509, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 04.12.1996)

No entanto, o próprio dispositivo constitucional admite a ocorrência de casos específicos, expressamente previstos pela legislação, em que há exceção à regra geral da prévia licitação como requisito à celebração de contratos com a Administração.

Tais exceções encontram-se nos arts. 24 e 25 da Lei 8.666/93, respectivamente, dispensa e inexigibilidade de licitação.

DI PIETRO esclarece a distinção entre os dois institutos[6]:

“A diferença básica entre as duas hipóteses está no fato de que, na dispensa, há possibilidade de competição que justifique a licitação; de modo que a lei faculta a dispensa, que fica inserida na competência discricionária da Administração. Nos casos deinexigibilidade, não há possibilidade de competição, porque só existe um objeto, ou uma pessoa que atenda às necessidades da Administração; a licitação é, portanto, inviável"

NIEBUHR apresenta importante diferença entre as hipóteses de contratação direta, asseverando a expressa autorização legislativa como requisito para a efetivação da dispensa de licitação:

“(...) a dispensa é pertinente aos casos em que é possível realizar licitação pública, uma vez que a competição é viável, porém realizá-la imporia sacrificio ou gravame desmedido ao interesse público. Portanto, visando a evitar o sacrificio ou o gravame, o legislador autoriza o agente administrativo a não proceder à licitação pública, para o efeito de firmar contrato administrativo de modo direto, o que acaba por minimizar o princípio da isonomia.

A inexigibilidade depende de hipótese fática, de ter ocorrido efetivamente situação que inviabiliza a competição. Quer-se dizer que pouco importam as prescrições legislativas, pois, diante de inviabilidade de competição, está-se, queira-se ou não, diante de inexigibilidade.

Já a dispensa depende de hipótese fática e da respectiva autorização legislativa. Melhor explicando: ao agente administrativo só é lícito dispensar a licitação diante de expressa autorização legal; ao legislador, por sua vez, só é lícito autorizar a dispensa de licitação pública diante de hipótese fática capaz de sacrificar o interesse público ou de impor-lhe gravame desmedido. Sucede que, aos olhos da Constituição Federal, mormente da parte inicial do inciso XXI do seu artigo 37, a obrigatoriedade de licitação pública é a regra, e a contratação direta, a exceção. Daí que ao legislador não é lícito autorizar a dispensa de licitação pública de acordo com o que bem ou mal lhe aprouver, mas somente diante de situações em que, insista-se, efetivamente o certame imporia gravames ao interesse público. Em caso contrário, se o legislador tivesse liberdade para criar hipóteses de dispensa diante de quaisquer situações, a atividade dele potencialmente acabaria por inverter a regra constitucional, cujo teor, repita-se, propugna a obrigatoriedade de licitação pública.

O fato é que a análise das hipóteses de dispensa de licitação deve necessariamente ser empreendida em vista das hipóteses prescritas em lei e, ademais, nos estritos termos delas. Em sentido oposto ao da inexigibilidade, em que a lei é mero coadjuvante, agora, para apreender os casos de dispensa, a lei é alçada a referencial principal, até porque, fora dela, nem sequer cabe reconhecer a figura.”[7]

A hipótese de dispensa de licitação de que cuida o presente parecer remete especificamente à emergência de saúde acarretada pela pandemia da doença do coronavírus (COVID- 19).

Estabelece o art. 4º da Lei federal n. 13.979/2020:

“Art. 4º Fica dispensada a licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei.

§ 1º A dispensa de licitação a que se refere o caput deste artigo é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

§ 2º Todas as contratações ou aquisições realizadas com fulcro nesta Lei serão imediatamente disponibilizadas em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet), contendo, no que couber, além das informações previstas no § 3º do art. 8º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição.”

Extrai-se do dispositivo algumas conclusões importantes:

a) A dispensa de licitação fundamentada na Lei n. 13.979/2020 destina-se exclusivamente à aquisição de bens, serviços e insumos de saúde que tenham por finalidade o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus. Dessa forma, mostra-se manifestamente inviável a aquisição, por meio de dispensa de licitação fundamentada na mencionada lei, de bens, serviços e insumos de saúde com finalidade diversa àquela preconizada pela Lei, sendo descabida qualquer interpretação extensiva da permissão legal em comento.

b) A eficácia do dispositivo é temporária, e se limita ao período enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. Assim, uma vez cessada a emergência de saúde, dado a ser aferido concretamente no contexto fático da unidade federativa que aplicaria a norma, inviável se tornará a realização de dispensa de licitação por tal fundamento.

c) As aquisições realizadas com base no dispositivo deverão ser imediatamente disponibilizadas em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet), contendo, no que couber, além das informações previstas no § 3º do art. 8º da Lei nº 12.527/2011, o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição. Alerte-se que a presente exigência, específica para o dispositivo em comento, não dispensa a publicação dos atos administrativos realizados nos respectivos processos de aquisição, por força de outros atos normativos que assim o estabeleça.

Ao dispositivo da Lei n. 13.979/2020, acresceu-se, em âmbito local, o art. 6º do Decreto n. 40.512/2020, com o seguinte teor:

“Art. 6º Fica dispensada a licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde, destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do COVID-19e da Dengue, nos termos do art. 4º da Lei Federal nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020.”

Questão de relevo a ser observada é que enquanto a Lei federal n. 13.979/2020 trata exclusivamente de aquisições referente à emergência de saúde decorrente da doença do coronavírus (COVID-19), o Decreto n. 40.512/2020 estendeu a hipótese também para a emergência de saúde da Dengue.

Importante distinguir que as dispensas de licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde para o enfrentamento do COVID-19 e da Dengue deverão receber tratamento jurídico distinto.

Com efeito, não há lei federal estabelecendo a dispensa de licitação especificamente para o enfrentamento da Dengue, ao contrário do que ocorreu com o COVID-19.Dessa forma, em se tratando da Dengue, nos casos em que se entender presente o traço de emergência para a aquisição visando o seu enfrentamento, poderá a Administração utilizar-se das outras hipóteses de dispensa de licitação previstas no art. 24 da Lei 8.666/93, em especial aquela estabelecida em seu inciso IV[8].

Não poderá, no entanto, para as aquisições destinadas ao enfrentamento da Dengue, utilizar, como fundamento legal, o art. 4º da Lei nº 13.979/2020.

Não aprofundaremos as questões jurídicas atinentes à dispensa de licitação para as aquisições para o enfrentamento da Dengue, vez que o escopo do presente parecer referencial se limita à hipótese da doença do coronavírus (COVID-19).

Importante alertar que, não obstante o permissivo legal para a dispensa de licitação nas aquisições destinadas ao enfrentamento da COVID-19, deve o gestor público sempre observar os princípios que lhe são impostos pelo art. 37 da Constituição Federal, bem como aqueles previstos no art. 3º da Lei 8.666/93.

Assim, a celeridade necessária para as aquisições em comento não significa uma atuação que possa, de alguma forma, contrariar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, isonomia, seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, promoção do desenvolvimento nacional sustentável, bem como demais preceitos que lhe sejam correlatos.

Não se trata, assim, de autorização irrestrita para aquisição desmesurada e irracional de bens e serviços, somente em razão de se estar em face de excepcional situação de emergência pandêmica.

Nesse sentido, confira-se as palavras de OLIVEIRA, em recente artigo sobre os reflexos do coronavírus no Direito Administrativo[9]:

“Em casos emergenciais, revela-se possível, em tese, a adoção de medidas excepcionais, de forma proporcional e justificada, que restringem a liberdade individual para garantir a saúde pública. Como dizia Hipócrates, considerado o pai da medicina, ‘para os males extremos, só são eficazes os remédios intensos’.

Isso não significa dizer, naturalmente, um cheque em branco aos agentes públicos competentes que deverão agir, em conformidade com os limites fixados no ordenamento jurídico, sob pena de responsabilidade.

O Direito Administrativo possui ferramentas para o enfrentamento da crise na saúde pública, mas, evidentemente, o Direito não é suficiente para resolução de todos os problemas, revelando-se fundamental, no ponto, a conscientização da população e os avanços da ciência na busca de tratamentos adequados no tratamento das pessoas contaminadas pelo coronavírus.

A inércia estatal é indesejada no momento de crise, assim como revela-se vedada a adoção de medidas arbitrárias que extrapolam a proporcionalidade na restrição de direitos individuais. O desafio, como de praxe, é encontrar o ponto médio na ponderação entre as liberdades individuais e a necessidade de proteção da saúde pública.”

Esta Procuradoria, recentemente, ao exarar o Parecer nº 220/2020 – PGCONS/PGDF, examinou caso concreto em que se objetivava a contratação direta, pelo Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, mediante inexigibilidade de licitação, do fornecimento de consumíveis para a coleta de material e detecção de 2019-nCoV (Chip VereCov com seus reagentes e acessórios e cone de detecção do Coriolis com seus reagentes e acessórios).

O parecer, da lavra do Subprocurador-Geral do Distrito Federal Leonardo A. de Sanches, em paralelo à verificação dos requisitos de inexigibilidade, identificou que a hipótese também poderia se configurar como dispensa de licitação com fundamento no art. 4º da Lei nº 13.979/2020.

Na oportunidade, apontou o parecerista que o art. 4º da Lei nº 13.979/2020 representa uma especialidade ao art. 24, IV da Lei 8.666/93, razão pela qual “ainda que com emprego da analogia, seriam aplicáveis alguns dos requisitos previstos para a já conhecida contratação emergencial, notadamente diante da falta de regulamentação dessa nova modalidade de dispensa”

Nesse diapasão, afirmou:

“Ao que se percebe, o contexto atual reclama medidas tão céleres que nem ao menos se pode aguardar o amadurecimento de instrução processual nos níveis usualmente conhecidos para as contratações emergenciais em geral, ou seja, com publicação de editais de intenção de compras para convocação de empresas ou mesmo com a exigência de instauração formal de procedimento licitatório para compra dos insumos aqui pretendidos. Com efeito, não se pode aguardar prazos longos e a situação não decorreu, obviamente, da paralisação de procedimento de contratação regular em curso.

Assim, a dispensa prevista na Lei Federal nº 13.979/2020, embora análoga, difere do que se costuma verificar nas contratações emergenciais em geral.

Nesse sentido, a caracterização de eventual situação emergencial há de atender aos requisitos previstos na Decisão nº 3.500/99, de cunho normativo, tomada pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal.”

Transcrevo, portanto, trecho da Decisão Normativa nº 3.500/99, emanada do Tribunal de Contas do Distrito Federal:

“II) informar ao ilustre consulente que, sem prejuízo do cumprimento das formalidades previstas no art. 26 da Lei nº 8.666/93, é possível a contratação direta de obras, serviços (continuados ou não) e bens, com fulcro no art. 24, IV, da referida norma legal, se estiverem presentes, simultaneamente, os seguintes requisitos, devidamente demonstrados em processo administrativo próprio:

a) a licitação tenha se iniciado em tempo hábil, considerando, com folga, os prazos previstos no Estatuto Fundamental das Contratações para abertura do procedimento licitatório e interposição de recursos administrativos, bem assim aqueles necessários à elaboração do instrumento convocatório, análise dos documentos de habilitação (se for o caso) e das propostas, adjudicação do objeto e homologação do certame;

b) o atraso porventura ocorrido na conclusão do procedimento licitatório não tenha sido resultante de falta de planejamento, desídia administrativa ou má gestão dos recursos disponíveis, ou seja, que tal fato não possa, em hipótese alguma, ser atribuído à culpa ou dolo do(s) agente(s) público(s) envolvido(s);

c) a situação exija da Administração a adoção de medidas urgentes e imediatas, sob pena de ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares;

d) a contratação direta pretendida seja o meio mais adequado, efetivo e eficiente de afastar o risco iminente detectado;

e) o objeto da contratação se limite, em termos qualitativos e quantitativos, ao que for estritamente indispensável para o equacionamento da situação emergencial;

f) a duração do contrato, em se tratando de obras e serviços, não ultrapasse o prazo de 180 dias, contados a partir da data de ocorrência do fato tido como emergencial;

g) a compra, no caso de aquisição de bens, seja para entrega imediata;”

Prosseguindo em sua análise, apontou o ilustre parecerista que as exigências constantes das alíneas “a” e “b” da referida decisão de cunho normativo não se aplicam aos casos em que incide a Lei nº 13.979/2020, na medida em que nesses não se trata de contratação regular que não foi concluída a tempo em razão de fato que não possa ser imputado à desídia ou falta de planejamento, mas sim de hipótese tão extraordinária e imprevisível, e que se desenrola com tamanha velocidade, que sequer seria razoável se cogitar na exigência de prévio planejamento pela Administração.

No que diz respeito a alínea “f” da Decisão TCDF n. 3500/99, não obstante não haja limite temporal dos contratos na lei federal que trata do enfrentamento à COVID-19, sugeriu, como medida de cautela, a adoção da limitação de 180 dias para o contrato celebrado com fundamento na dispensa de licitação da Lei nº 13.979/2020, em analogia ao que prevê o art. 24, IV da Lei 8.666/93, a menos que sobrevenha regulamentação em sentido diverso.

Assim, as contratações diretas decorrentes da Lei nº 13.979/2020 devem observar as alíneas “c”, “d”, “e”, “f” e “g” da Decisão Normativa nº 3.500/99 do TCDF.

Por último, também por força da analogia com a hipótese do art. 24, IV da Lei n. 8.666/93, concluiu pela necessidade de que a instrução dos autos da contratação atenda aos requisitos do Decreto distrital n. 34.466/2013, que “dispõe sobre os procedimentos de contratação emergencial por órgãos da Administração Direta e Indireta do Distrito Federal e dá outras providências”:

“Art. 3º A instrução dos processos de contratação de que trata este Decreto deve demonstrar:

I - a situação excepcional que exija da Administração a adoção de medidas urgentes e imediatas, sob pena de ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos e particulares;

II - que a contratação é a única alternativa adequada, eficaz e eficiente para afastar o risco iminente detectado e para atender ao interesse público;

III - que o objeto da contratação se limita, em termos qualitativos e quantitativos, ao que for estritamente indispensável ao atendimento da situação emergencial;

IV - que o objeto da contratação possa ser concluído no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos contados da ocorrência da emergência, vedada a prorrogação deste prazo;

V - a compatibilidade das pesquisas de preços com o mercado, por meio de, no mínimo, 03 (três) cotações, fazendo constar do processo a documentação comprobatória dos estudos e levantamentos que fundamentaram o preço estimado e justificando a hipótese de não ser possível atingir o número mínimo de cotações;

VI - a regularidade jurídica, fiscal, trabalhista, e qualificação técnica e econômico-financeira da futura contratada.”

Entendo que a análise empreendida por esta Casa na oportunidade em que se examinou caso concreto e se exarou o Parecer nº 220/2020 – PGCONS/PGDF aplica-se perfeitamente aos demais casos em que realizadas contratações diretas mediante dispensa de licitação com fundamento no art. 4º da Lei n. 13.979/2020.

No que diz respeito à instrução dos autos em que processada a aquisição, usualmente denominada de “fase interna” do procedimento, aplicável, no que couber, as regras da Lei 8.666/93, bem como as normas distritais que regem a matéria em âmbito local.

Com efeito, a Administração, mesmo nos casos de contratação direta por dispensa ou inexigibilidade de licitação, deve seguir procedimento interno, que, segundo JUSTEN FILHO[10], destina-se a:

“a) verificar a necessidade e a conveniência da contratação de terceiros;

b) determinar a presença dos pressupostos legais para contratação (inclusive a disponibilidade de recursos orçamentários);

c) determinar a prática dos atos prévios indispensáveis à licitação (quantificação das necessidades administrativas, avaliação de bens, elaboração de projetos básicos, etc.);

d) definir o objeto do contrato e as condições básicas da contratação;

e) verificar a presença dos pressupostos da licitação, definir a modalidade e elaborar o ato convocatório da licitação.”

Necessário, assim, que os autos sejam instruídos com:

a) Projeto básico (ou termo de referência) aprovado pela autoridade competente (art. 7º, §2º, I, Lei 8.666/93), contendo orçamento detalhado (art. 7º, §2º, II, Lei 8.666/93);

b) Comprovação da existência de recursos orçamentários para fazer frente à futura contratação (art. 7º, §2º, III, Lei 8.666/93);

c) Habilitação jurídica (art. 28 da Lei 8.666/93);

d) Documentação relativa à regularidade fiscal (art. 29, Lei 8.666/93);

e) Documentação relativa à capacidade técnica (art. 30, Lei 8.666/93);

f) Documentação relativa à qualificação econômico-financeira (art. 31, Lei

8.666/93);

Além disso, devem ser cumpridas, no que couber, as exigências previstas no art. 26, da Lei nº 8.666/93:

“Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8º desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.

Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:

I - caracterização da situação emergencial, calamitosa ou de grave e iminente risco à segurança pública que justifique a dispensa, quando for o caso;

II - razão da escolha do fornecedor ou executante;

III - justificativa do preço.

(...)”

No que diz respeito à justificativa do preço, devem ser observadas as regras estabelecidas no Decreto nº 39.453/2018, que “regulamenta a Lei distrital nº 5.525, de 26 de agosto de 2015, que estabelece que, em compras e contratações de bens e serviços, qualquer que seja a modalidade de licitação, o valor a ser pago não seja superior à média de preços do mercado, no âmbito do Distrito Federal”.

O referido decreto estabelece as regras para a realização da pesquisa de preços que informará o valor de mercado:

“Art. 4º A pesquisa de preços será realizada mediante a utilização dos seguintes parâmetros:

I - relatório de pesquisa de preços de produtos com base nas informações da Nota Fiscal eletrônica - NFe;

II - preços públicos referentes a aquisições ou contratações similares realizadas pelo Distrito Federal e demais entes públicos;

III - pesquisa junto a fornecedores;

IV - pesquisa publicada em mídias ou sítios especializados ou de domínio amplo.

Parágrafo único. A opção pela utilização de outro parâmetro de pesquisa ou método para obtenção do valor de referência deverá ser descrita e justificada nos autos pelo gestor responsável.

Art. 5º A pesquisa de preços será realizada da forma mais ampla possível e deverá ser composta de, no mínimo, 03 valores válidos, além de contemplar todas as características do objeto, incluindo referência à marca e especificações exclusivas, quando cabível, nas hipóteses do art. 7°, § 5° da Lei federal n° 8.666, 21 de junho de 1993.

Art. 6º Deverá ser juntada aos autos Planilha Comparativa de Preços composta de, no mínimo, 03 valores válidos, obedecendo aos parâmetros estabelecidos no art. 4°, observadas as especificações ou descrições do objeto e os fatores intervenientes no preço, os quais serão definidos em norma complementar.

§ 1° É obrigatória a apresentação de pelo menos um preço de cada parâmetro constante nos incisos I e II do art. 4°.

§ 2º O gestor responsável deverá comprovar e justificar nos autos a impossibilidade de atendimento ao disposto no § 1º.

§ 3º Quanto aos preços obtidos por meio do Painel de Mapa de Preços de NFe, o valor a ser utilizado na composição da Planilha Comparativa de 

Preços corresponderá apenas ao valor médio encontrado para cada item pesquisado.

Art. 7º A Planilha Comparativa de Preços poderá ser composta por preços públicos com prazo de validade superior ao previsto em norma complementar desde que comprovada nos autos a inexistência de preços públicos vigentes.

Parágrafo único. Os preços públicos a que se refere o caput deverão ser atualizados na forma definida em norma complementar.

Art. 8º O valor de referência de cada item será o menor preço ou o maior percentual de desconto obtido após o cálculo da média final e mediana final dos valores válidos contidos na pesquisa de preços, conforme o critério de julgamento estabelecido em edital.

Art. 9° O gestor responsável pela pesquisa de preços deverá apontar na Planilha:

I - os critérios utilizados para identificar os valores exorbitantes ou inexequíveis;

II - a memória de cálculo e a metodologia aplicada para a obtenção dos valores de referência.

Parágrafo único. A decisão para desconsiderar os valores definidos no inciso I deste artigo deverá ser fundamentada e descrita no processo administrativo.

Art. 10. Poderá ser admitido como valor de referência apenas o menor dos valores ou o maior percentual de desconto obtido na pesquisa, desde que justificado nos autos.

Art. 11. Excepcionalmente, mediante justificativa do gestor responsável e desde que comprovado nos autos, será admitida a pesquisa com menos de 03 preços válidos.”

3.CONCLUSÃO

Ante o exposto, elencamos a seguir, s.m.j., os elementos a serem verificados individualmente nos autos de cada procedimento administrativo em que se processará a contratação direta, mediante dispensa de licitação, para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, com fundamento no art. 4º da Lei federal nº 13.979/2020:

a) Cumprimento dos requisitos para a incidência da norma federal que autoriza a dispensa de licitação:

a.1)Os bens, serviços e insumos de saúde que se objetiva adquirir deverão destinar-se exclusivamente ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus (COVID-19);

a.2)A autorização legal para a aquisição direta por dispensa de licitação é temporária, se limitando ao período enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19);

a.3)As aquisições realizadas com base no dispositivo deverão ser imediatamente disponibilizadas em sítio oficial específico na rede mundial de computadores, contendo as informações descritas no art. 4º, §2º da Lei federal nº 13.979/2020.

b) Não obstante o permissivo legal para a dispensa de licitação nas aquisições destinadas ao enfrentamento da COVID-19, deve o gestor público sempre observar os princípios que lhe são impostos pelo art. 37 da Constituição Federal, bem como aqueles previstos no art. 3º da Lei 8.666/93.

c) Em analogia à hipótese versada no art. 24, IV da Lei nº 8.666/93, deverá ser demonstrado, no que couber, o atendimento dos requisitos estabelecidos nas alíneas “c”, “d”, “e”, “f” e “g” da Decisão Normativa nº 3.500/99 do TCDF, a saber:

c.1)“c) a situação exija da Administração a adoção de medidas urgentes e imediatas, sob pena de ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares;”

c.2)“d) a contratação direta pretendida seja o meio mais adequado, efetivo e eficiente de afastar o risco iminente detectado;”

c.3)“e) o objeto da contratação se limite, em termos qualitativos e quantitativos, ao que for estritamente indispensável para o equacionamento da situação emergencial;”

c.4)“f) a duração do contrato, em se tratando de obras e serviços, não ultrapasse o prazo de 180 dias, contados a partir da data de ocorrência do fato tido como emergencial;”

c.5)“g) a compra, no caso de aquisição de bens, seja para entrega imediata;”

d) Em obediência ao art. 3º do Decreto distrital n. 34.466/2013, a instrução dos autos da contratação deve demonstrar:

d.1)A situação excepcional que exija da Administração a adoção de medidas urgentes e imediatas, sob pena de ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos e particulares;

d.2)Que a contratação é a única alternativa adequada, eficaz e eficiente para afastar o risco iminente detectado e para atender ao interesse público;

d.3)Que o objeto da contratação se limita, em termos qualitativos e quantitativos, ao que for estritamente indispensável ao atendimento da situação emergencial;

d.3)Que o objeto da contratação possa ser concluído no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos contados da ocorrência da emergência, vedada a prorrogação deste prazo;

d.5)A compatibilidade das pesquisas de preços com o mercado, por meio de, no mínimo, 03 (três) cotações, fazendo constar do processo a documentação comprobatória dos estudos e levantamentos que fundamentaram o preço estimado e justificando a hipótese de não ser possível atingir o número mínimo de cotações;

d.6)A regularidade jurídica, fiscal, trabalhista, e qualificação técnica e econômico- financeira da futura contratada.

e) Mesmo se tratando de procedimento de contratação direta, deve ser observado o rito e a instrução da denominada fase interna do procedimento, de acordo com as regras da Lei nº 8.666/93, instruindo-se os autos com:

e.1)Projeto básico (ou termo de referência) aprovado pela autoridade competente (art. 7º, §2º, I, Lei 8.666/93), contendo orçamento detalhado (art. 7º, §2º, II, Lei 8.666/93);

e.2)Comprovação da existência de recursos orçamentários para fazer frente à futura contratação (art. 7º, §2º, III, Lei 8.666/93);

e.3)Habilitação jurídica (art. 28 da Lei 8.666/93);

e.4)Documentação relativa à regularidade fiscal (art. 29, Lei 8.666/93);

e.5) Documentação relativa à capacidade técnica (art. 30, Lei 8.666/93);

e.6) Documentação relativa à qualificação econômico-financeira (art. 31, Lei 8.666/93);

f) Devem ser cumpridas as exigências do art. 26 da Lei nº 8.666/93, instruindo-se os autos com:

f.1) A caracterização da situação emergencial, calamitosa ou de grave e iminenterisco à segurança pública que justifique a dispensa, quando for o caso;

f.2) A razão da escolha do fornecedor ou executante;

f.3) A justificativa do preço.

g) No que diz respeito à pesquisa de preços que embasará a aquisição, devem ser observadas as regras do Decreto distrital nº 39.453/2018.

Com a emissão do presente parecer referencial, fica dispensado o envio do processo para exame e aprovação pela Procuradoria-Geral do Distrito Federal, ressalvada a hipótese de consulta acerca de dúvida de ordem jurídica devidamente identificada e motivada.

Para a utilização do parecer referencial nos casos concretos, deve a Administração Pública instruir o processo com:

(a) cópia integral deste parecer referencial com as cotas de aprovação do Procurador-Chefe e do Procurador-Geral do Distrito Federal ou do procurador-geral adjunto; e

(b) declaração da autoridade competente para a prática do ato de que a situação concreta se enquadra nos parâmetros e pressupostos do parecer referencial e que serão observadas suas orientações, conforme modelo anexo à Portaria PGDF nº 115/2020.

À elevada consideração superior.

Brasília, 20 de março de 2020

ALEXANDRE MORAES PEREIRA

Procurador do Distrito Federal

OAB/DF 22.078

[1] Fonte: https://www.who.int/health-topics/coronavirus, tradução livre, consulta em 18.03.2020

[2] https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/prevent-senior-tem-cinco-mortes-por-novo- coronavirus-em-sp-brasil-soma-sete.shtml

[3] https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2020/03/19/informe-sobre-o-coronavirus-no-distrito-federal-dia- 19-de-marco-as-12h/

[4] FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby, Contratação direta sem licitação, 6 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006, pp. 335-336

[5] PARZIALE, Aniello dos Reis. Contratação direta de alimentação escolar: uma hipótese de dispensa de licitação não arrolada na Lei federal nº 8.666/93. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2830, 1 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18814. Acesso em: 19 mar. 2020.

[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 13ª Ed., São Paulo: Atlas, 2001, p. 302

[7] NIEBUHR, Joel de Menezes; NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2015. Disponível em: https://www.forumconhecimento.com.br/livro/1189. Acesso em: 19 mar. 2020.

[8] Art. 24. É dispensável a licitação:

(...)

IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;

[9] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende, Direito Administrativo e coronavírus, https://www.migalhas.com.br/depeso/321892/direito-administrativo-e-coronavirus , consulta em 18.03.2020

[10] JUSTEN FILHO, Marçal, Op. Cit, p. 36

Cota de Aprovação - PGDF/PGCONS/CHEFIA

PROCESSO N°: 00020-00009864/2020-74

MATÉRIA: Administrativo

APROVO O PARECER REFERENCIAL N° 001/2020PG- CONS/PGDF, exarado pelo(a) ilustre Procurador(a) do Distrito Federal Alexandre Moraes Pereira.

Acrescento que, além dos requisitos indicados pelo eminente parecerista, devem ser observadas as normas distritais que instituem vedações de contratação, em especial o Decreto nº 32.751/2011 (art. 3º, §2º), que veda o nepotismo, e o Decreto nº 39.860/2019.

Reforço a orientação de que, apesar de o parecer referencial dispensar a emissão de opinativo juridico para análise da contratação nele enquadrada, ressalva-se a hipótese de consulta acerca de dúvida jurídica específica, devidamente identificada e motivada, sobre questão não abordada no parecer.

A autoridade competente deve fazer uso do presente instrumento observando as regras procedimentais previstas no art. 9º, parágrafo único, da Portaria nº 115, de 16 de março de 2020.

Ressalto, por fim, que a autoridade administrativa deverá zelar pela correta condução do processo administrativo submetido a exame, sendo de sua inteira responsabilidade a observância às normas legais de regência e às recomendações constantes do opinativo.

Brasília, 20 de março de 2020

GABRIEL ABBAD SILVEIRA

Procurador-Chefe

De acordo.

Expeça-se oficio circular para dar conhecimento da aprovação do parecer referencial a todos os órgãos e entidades da administração distrital.

Encaminhe-se cópia do opinativo à Assessoria de Comunicação desta Procuradoria- Geral, para disponibilização no sítio eletrônico desta Casa Jurídica.

Após, arquivem-se os autos nesta unidade.

Brasília, 20 de março de 2020

SARAH GUIMARÃES DE MATOS

Procuradora-Geral Adjunta do Consultivo